quinta-feira, 19 de maio de 2016

ANTIGAMENTE,

Tudo isto vem um pouco a propósito da polémica barragem do Baixo Sabor

Pessoalmente, tal como várias associações ambientalistas, vejo mais aspectos negativos do que positivos na construção da barragem
E lamento que os governantes se preocupem tanto em termos de produção de energia e tão pouco na redução do seu consumo… Mas a construção da barragem parece ser já inevitável

Na margem direita do Sabor, num local da freguesia de Parada (Alfândega da Fé) está situado a ermida de Santo Antão da Barca. Trata-se de um lugar tradicional de passagem deste rio, a vau no verão e, em tempos idos, de barca no Inverno. É de admitir que por este ponto, se fizesse a ligação entre Alfândega e Mogadouro no período medieval.





A barca não existe mais, mas existem ainda restos do cabo... 

Barca


Entardece. Ainda uns raios de sol, já desmaiados

que se reflectem nos calhaus rolados que o rio afaga.

No ar, um silêncio que apenas o rumor do rio apaga,

rumor, ou talvez prece ao Senhor da Barca, ali ao lado. 

Já não existe mais a barca que outrora foi real

mas na margem do rio, enferrujado,

testemunha de um tempo intemporal, 

jaz moribundo um pedaço do cabo 

que, a cada viagem, guiava a barca de uma à outra margem.
Regina Gouveia em Magnetismo terrestre

A ermida terá sido mandada construir pelos Távoras entre 1730 e 1750,  segundo António dos Santos Lopes, autor da monografia “ O santuário de Santo Antão da Barca”publicada em 1994. 


Na referida monografia consta que , concluída a construção da ermida, foi criada uma confraria com a inscrição de uma numerosa irmandade espalhada por todas as freguesias e lugares das redondezas. Existem 
exemplares de estatutos da referida confraria, de 1895 e de 1911. 

Destes últimos herdei um exemplar de meu pai, homem que sempre se empenhou em preservar aquele local de memórias. Fê-lo de diversas formas, integrando várias comissões de festas, custeando várias obras, e também através da poesia.  De "Poemas Póstumos",  livro editado em 2004 com poemas de sua autoria, esolhi o que segue:

No alvor daquela ermida
lá no fundo do rincão
está minha alma volvida
para o barqueiro Santo Antão.
Não perco a minha esperança,
não perco o meu amor
por Vós barqueiro da bonança
nesse porto do Sabor
Outros têm pugnado por manter vivo este local,  nomeadamente António dos Santos Lopes, acima citado, meu tio por afinidade, dado que casado com uma irmã de meu pai, um tio avô meu, um dos irmãos do meu pai, autor das fotografias aéreas acima e que datam do início dos anos quarenta (século XX), bem como vários familiares do meu marido e outras pessoas
Apesar de tudo, a confraria nunca havia sido registada e as obras feitas no recinto foram, em alguns casos, verdadeiros abortos.
Malgrado o que foi referido, no primeiro domingo de Setembro ali se reúnem, para a festa anual, inúmeras pessoas não só do concelho de Alfândega da Fé como de outros, nomeadamente de Mogadouro e Moncorvo.
Assim sendo, não é de estranhar que também os devotos se tenham manifestado contra a construção da barragem do Sabor, pois criada a albufeira, o santuário ficará submerso .

Este ano fui à festa,  movida não por razões religiosas, mas por querer testemunhar provavelmente a última festa no espaço que ali existe. Aqui ficam algumas fotos tiradas a par de outras já com muitos anos.







Têm decorrido negociações com a EDP e o santuário irá ser deslocado para um local um pouco mais acima, continuando com a água por perto

Manuel Gouveia, homem que ultimamente se tem empenhado de uma forma ímpar na defesa de todo o património do santuário e que já conseguiu a aprovação de novos estatutos bem como um enquadramento legal para a confraria, no seu livro Rio Sabor, publicado em 2004, faz uma antevisão dos tempos que se avizinham.


A par da “trasladação” da ermida  espera-se que a EDP crie algumas infra-estruturas de acordo com um projecto que me parece bastante interessante. 
Oxalá se concretize para que mais tarde não tenhamos que dizer: 
E tudo a água levou…